quarta-feira, março 24, 2010

A medusa imortal


Fiquei estarrecido com as notícias de um “animal mortal” esta semana, que claramente, mereceria da minha parte um artigo neste blog das “coisas estranhas que existem realmente” e que supostamente se trataria de uma medusa de diminutas dimensões, e como é claro, fui saber mais a respeito de semelhante criatura. Fiquei a saber que se trata de uma minúscula medusa (nome que se dá tecnicamente a uma “alforreca”, para aquelas que nã

o sabem o que é uma medusa) com uns poucos milímetros de diâmetro. Esta, não é daquelas que costuma dar à costa e provocar irritação em quem as pisa sem querer. É praticamente imperceptível à vista desarmada, de forma que duvido que provoque qualquer problema aos banhistas.

Para não ter de estar sempre a lembrar-me de semelhante nome, vou alcunhá-la, e como ela é pequenita, de “turrita”. Ora a nossa alforreca “turrita” é imortal. Quer dizer, depois de nascer, nunca mais morre. Mas é preciso ver com atenção, como é que ela obtém esta suposta “imortalidade”. Obviamente, como diz o ditado, quando a esmola é demasiada, o pobre desconfia. E fui investigar... Eu não sei se os meus leitores alguma vez se interessar saber mais sob a vida de alforrecas (eu duvido, já que deve suscitar o mesmo interesse que conhecer a vida das baratas), mas acontece que estes seres não são sempre “alforrecas”. Quando eu digo que não são sempre “alforrecas”, refiro-me a que nem sempre são aquelas criaturas de aspecto gelatinoso e transparente com aspecto de chapéu de chuva invertido e tentáculos, que se não temos cuidado na praia, podemos pisar e lixar-nos bem um dia de férias.



Não, acontece que quando duas alforrecas (ou neste caso, “turritas”, acasalam), o bebé não é uma alforrequinha pequena. O ser que nasce do ovo é uma coisa conhecida como pólipo, que mais se parece com um coral, ou seja, é um ser que vive agarrado ao fundo do mar, quase como uma planta, mas não é nenhuma planta. Na realidade, assemelha-se a um conjunto de pequenas alforrecas vivendo em conjunto, como uma colónia. O que este pólipo faz, além de ser capaz de se alimentar, é produzir agora sim, a criatura a que estamos mais familiarizados conhecida por alforreca, neste caso, a nossa turrita. As pequenas turritas nascem como pequenos gomos, como se fossem frutos de uma árvore (aliás, o pólipo nalgumas espécies de cnidários, como os hidróides, ramificam-se de tal modo que parecem uma verdadeira “árvore animal”), e que, quando estão “maduros”, se separam do pólipo que é como uma espécie de maternidade, e a partir daí, vão-se desenvolvendo até dar origem à forma de alforreca que nos é familiar. E agora vamos ao centro da questão, o que faz a turrita ser imortal. Em circunstâncias normais, duas alforrecas, ou melhor um “alforreco” e uma “alforreca” lançam os seus gâmetas na água e ocorre fecundação, que dá origem a um novo pólipo – a tal “árvore de alforrecas”. Acontece é que, em circunstâncias em que há poucos recursos que assegurem a sobrevivência das pequenas “turritas”, como por exemplo, pouco alimento, as nossas pequenas amigas são capazes de se transformar, e sem precisar de reprodução, de, a partir do estado adulto, voltarem a dar origem a um pólipo novo, daí, podendo dizer-se que são “imortais”. É preciso ver, em primeiro lugar, que a noção de indivíduo na “turrita” não faz muito sentido, porque o pólipo, que antes era um indivíduo adulto, vai dar origem a várias novas alforrecas e o mesmo correcto é dizer que a nossa “turrita” se multiplica em várias cópias, ou melhor dizendo, clones, de si própria, perdendo-se assim, portanto o “indivíduo original”. Era como se eu pudesse fazer várias cópias de mim próprio, mas ao custo de eu, a partir desse ponto, deixar de existir, porque teria de ser, a partir de partes separadas do meu corpo, que nasceriam os novos indivíduos. Por isso toda esta conversa de “imortalidade” tem que se lhe diga. Para mais, é preciso ver que as pequenas “turritas”, depois de se separarem do pólipo que lhes deu origem, podem ser devoradas por qualquer uma dessas criaturas que povoam os mares e que se alimentam de plâncton, uma vez que as pequenas alforrecas são tão pequenas, que facilmente encaixam dentro daquilo que se consideram plâncton. Ou seja, elas podem muito bem ser imortais, mas podem acabar dentro da barriga de uma enorme baleia.


Bom, depois disto tudo, não sei se vai haver uma corrida à caça de “turritas” por parte do pessoal amigo de aquários, ou outros charlatões, para depois gabarem-se dizendo, tenho um “ser imortal” dentro do meu aquário, que gostariam de dar conhecer. Se calhar depois até se podia fazer um negócio, se houvesse dispostas a pagar para ver o bichinho, que apesar de tão pequeno pode conseguir viver enquanto ninguém lhe deitar a mão... ou a boca !

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